sábado, 19 de julho de 2014

Amamentação e aleitamento - as nossas experiências #5

- Por Cristina Baptista-

Sou enfermeira, trabalho numa Unidade de Neonatologia com bebés, estou a terminar a especialização em Saúde Materna e Obstetrícia. Parte significativa do meu trabalho é ajudar as mães que querem amamentar e/ou aleitar a fazê-lo da forma mais correcta e confortável para ambos. Nunca me preocupei minimamente com o assunto "dar de mamar". Estava convicta de que era o que queria e de que, com tantos recursos, não havia de ter dificuldade. 

Hã, hã...Parece que "em casa de ferreiro, espeto de pau" nunca teve melhor aplicação.

A minha filha nasceu antes do previsto e eu não tinha colostro absolutamente nenhum. Assim que nasceu, estimulei-a a mamar, mas ela, muito pequenina, sem forças, mal conseguia pegar a mama adormecia. Tentei todos os truques que sabia (e sei muitos!) e nada. Durante todo o tempo que estive na maternidade não tive mais do que umas gotitas que lhe oferecia satisfeita e (dado o baixo peso da criatura) fez suplementação com leite artificial por copo/seringa. Ainda assim, perdeu mais de 7% do peso corporal, mais do que é fisiológico.

Em casa começou a verdadeira saga. Esclareçamos: estão a ver a imagem da mãe tranquila e feliz a amamentar o seu anjinho semi-adormecido? Bem, digamos que a A. nem sequer sabia bem como havia de fazer para comer. É verdade. Nunca ninguém vos disse? Digo eu. Alguns bebés não sabem pegar na mama e há que ensiná-los, há que corrigir o modo como pegam, há que os estimular. A minha podia passar hooooooras a dormir sem comer se eu deixasse. E quando tinha de (ou por algum milagre queria) mamar, era um pandemónio. Nunca se costuma também dizer que pode doer muito ao início: e caramba, se doeu.

Parecia que tinha um diabinho da Tasmânia ao colo. Nem queria acreditar na forma como ela era capaz de se contorcer, de fugir... Tentava acalmá-la com mimos, e, assim que voltava a oferecer a mama, frustrada por não lhe conseguir pegar e não retirar qualquer produto após múltiplas tentativas, a minha pequenina berrava desalmadamente, mordia-me com as gengivas, eu sei lá...

Pensei que iria correr melhor após a subida de leite. Efetivamente, quase uma semana depois de ela ter nascido senti uma grande dor de cabeça durante o dia, et voilá! Tinha leite, muito leite! É agora, pensei eu!
Pois que não, estava tudo na mesma... Usei todas as artimanhas que conheço (mamilos de silicone, posicionamentos, expressão, etc), das mais ortodoxas às menos, e nada de a menina mamar com jeito. O leite acumulava-se, tinha as mamas duras como pedras e estava cheia de dores - passei horas de bomba na mão a tirar leite, no duche a retirar manualmente o que a bomba não conseguia, a tentar adaptar melhor a bebé. Apareceram as gretas, o sangue, pus Purelan, Gretalvite, Cicalfate, Bepantene. Só melhorou com os discos de hidrogel. Já disse que dói mesmo muito??? Comprei as conchas da Medela porque nem conseguia suportar o toque da roupa. Apliquei frio, apliquei calor e sim, ainda estive com as folhas de couve na mão.

Daí até perceber que tinha cada vez menos leite (ora se ela não mamava nada de jeito) foi um pulo. Tomei o Promil, bebia muita água e resultou. Mas o que fazer àquele leite todo??? A bomba não conseguia tirar, a bebé não mamava adequadamente. Veio uma bomba nova. Melhorou bastante. Já conseguia retirar mais leite para depois lhe poder dar. Continuei a insistir em corrigir-lhe a pega com muitas lágrimas pelo meio (minhas e dela). Ao fim de um mês de enooooorme persistência, desisti. Com plena consciência do que fiz. O momento da amamentação tinha-se tornado para ambas um sinónimo de desconforto, de terror, de dor. Há uma altura em que nos cai a ficha e pensamos: caramba, não devia ser assim! Foi com muito alívio (até porque já tinha pouquíssimo leite) que passei a dar exclusivamente leite artificial à minha bebé. A imagem ternurenta do bebé feliz que olhava para a sua mamã ao mamar materializou-se com um biberon. Acabou-se a "guerra", acabaram as horas de choro, acabou todo o mal estar. 


Continuo a ser 100% favorável à amamentação e pretendo voltar a tentar com um próximo filho, mas cada bebé é um bebé e neste caso em particular houve dificuldades inultrapassáveis para ambas (de outras ordens que não alimentares, também) e reconheço hoje que foi o melhor que poderia ter feito. Até há pouquíssimo tempo, a A. ainda tinha dificuldade em mamar no biberon fechando a boca em redor da tetina, o que fazia com que engolisse bastante ar. Imaginem o que acontecia na mama!

Penso que a persistência é algo inerente à amamentação, que não devemos desistir logo, porque, para a maioria, algumas dores e alguns dissabores fazem parte do processo. No entanto, há que perceber, avaliar, ponderar e procurar a ajuda de profissionais se o tempo passa e nada se resolve apesar de tentarmos tudo ao nosso alcance. Se calhar "não querias o suficiente", dirão algumas. Se calhar "não tentaste o suficiente", dirão outras. Não importa. Tenho a consciência tranquila. Sei que dei o meu melhor, que as mães não se "medem às mamas" e que a harmonia é essencial para o desenvolvimento de um bebé saudável. 
Palavra de mãe-enfermeira.

3 comentários:

Joana Cunha disse...

Adorei ler...uma pró-amamemtação que sabe que nem sempre é possível, e que não é fundamentalista e percebeu que para ser um terror, mais vale outro caminho. Para mim, tem tanto valor uma mãe que consegue (como eu felizmente), como uma mãe que tenta e não consegue, mas que tentou realmente, como tu :)

Ana disse...

Gostei tanto Cristina :) obrigada

Ni disse...

Obrigada meninas! Se este testemunho puder ajudar alguém que esteja a passar por algo semelhante, já fico muito feliz!